Simone: Lançamento de Feminino

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Um Bate-Papo Descontraído

Simone

Em entrevista realizada para o lançamento do cd Feminino, Simone num bate papo super descontraído com os repórteres da Rádio Jovem Pan, Revista Arte Magazine, Jornal Digital (Portugal ) e Jornal Olho Vivo falou sobre os seus novos projetos, da comemoração dos 30 anos de carreira, do seu lado místico e da infância. Vale a pena lembrar que nesse novo trabalho revista alguns clássicos e sucessos da música brasileira entre eles: “Resposta ao Tempo”, “Se Acaso Você Chegasse”, “Um Certo Alguém”, “V’ambora”, “Escândalo”, “Samba de um Grande Amor” e outras. Confira!

Porque você decidiu que esse novo trabalho fosse um cd ao vivo?

Feminino é quase um cd de estúdio. Tive um adendo contratual acordado de ambas as partes. Foi um desafio fazer esse cd em todos os sentidos. Como havia esse acordo entre eu e a Universal resolvemos fazer aquilo que tínhamos planejado. Um cd ao vivo reunindo 300 convidados num lugar pequeno (Espaço Universal Up) e o que estivesse sendo ou sido gravado valesse. Antes de gravar pedi para o Guto (produtor) que não colocasse guitarra, queria que fosse um cd só de violões. Praticamente é um semi-acústico. Queria que a performance dos músicos aparecesse mais, conseqüentemente a minha voz apareceria mais, a interpretação com os acertos e erros, mas que não pincelasse absolutamente nada. Ali não tem mentira. Tem o que exatamente existiu. Obviamente gostaria de ter refeito algumas coisas, mas eu propus a não. Sem retoques.

SimoneÉ um cd que poderia ter feito no estúdio maravilhosamente bem. Demoraria mais, com certeza, e não ficaria só dois dias gravando. A base demoraria de 10 a 15 dias, em geral faço duas ou três vozes ao dia, mas a proposta era essa mesma. Havia feito só dois discos ao vivo exatamente dessa forma. O primeiro, há vinte e três anos (Simone ao Vivo – Canecão) e o segundo, há seis anos (Brasil, o Show), mas o que vejo nesse atual é que a sonorização que a gente tem, é tão boa ou melhor que num estúdio. O grande gol da gente foi à participação do Zeca Pagodinho. Um espetáculo de gol, a manutenção na primeira divisão.

Você é fã do cd em formato ao vivo?

Nesses trinta anos de carreira fiz três, mas o interessante de fazer um cd ao vivo é deixar o que realmente foi feito, porque se começa a retocar fica esquisito, e você vê onde foi retocado. A maioria do cd foi gravado dia 13 de agosto, e no dia 14 algumas mudanças foram feitas durante o dia pelo Guto. Vejo muito show ao vivo, muita gravação junto com DVD, e percebo que está dublado e colocaram voz. O vídeo mostra uma coisa e o áudio é completamente diferente. Não sei se chegaria a fazer isso. Não estou dizendo que um dia não faria isso. Atualmente estou a fim de fazer um grupo pequeno, e curtir, talvez, um pouco o começo da minha carreira nos anos 70, mas com a sonorização e tecnologia de agora. Acho isso interessante.

Você fez vários cds de projetos, Julio Iglesias, Martinho e outros?

Loca não era para ter saído no Brasil. Foi um erro. O Martinho foi um projeto muito bonito. Existia um preconceito grande com ele, e fizemos um disco maravilhoso. Depois fiz o show “Brasil”. Atualmente para montar um show você faz uma dívida muito grande. Com isso você acaba fazendo um cd ao vivo. Ë uma maneira de montar um show. Ë isso que em geral as gravadoras vem fazendo, e fiz uma vez.

No cd anterior Seda Pura, praticamente foram de músicas inéditas, lançamento de um compositor, gravar pessoas que nunca havia gravado como o Samuel Rosa, Zé de Riba e cantar com o Frejat. Foi maravilhoso fazer Seda Pura queria ter trabalhado bastante e feito um planejamento maior. Por isso assinei um adendo para fazer esse novo cd.

Na verdade senão tivesse feito esse adendo poderia ter feito um cd mais pra frente. O que acho melhor fazer um cd a cada dois anos.Fica Comigo Esta Noite

Na música brasileira existe um baú maravilhoso de canções. No Brasil tem uma coisa que você não pode gravar uma música que alguém já gravou. Aí falam, “mas você vai cantar essa música que fez a pessoa”. Se não cantam “pedem”, se canta falam “outra vez”. É sempre a mesma história.

Na época do Fica Comigo Está Noite “Cadê Você” e “Ludo Real” foram gravadas, mas praticamente são inéditas. Isso não me tira a vontade de fazer um cd com música inéditas de compositores consagrados e novos. Tenho fascínio de lançar gente nova. Tenho um projeto que é só gravar mulheres desde Dolores Duran até lançar uma compositora desconhecida, mas isso leva um tempo enorme pra fazer, escolher e ouvir. O tempo vai passando, mas você tem que fazer alguma coisa, ou faz um cd de músicas inéditas, ou um projeto de mulheres. O próximo que vou fazer vai ser da Maysa. Tem muitas coisas que quero fazer, e ao mesmo tempo posso estar ouvindo coisa novas e fazer o projeto feminino, que eu mesma roubei o título para esse trabalho. Ë por aí!

Alguém idealizou ou você pensou no Projeto Maysa?

MaysaNão. Foi minha cabecinha que pensou nela. Gosto muito da Maysa, e ouvia todas as suas músicas. Primeiro será um cd, mas poderá virar um show. A partir do momento que começar o repertório poderá ser músicas feitas por ela, como também músicas que tenha gravado de outros compositores, mas o Projeto é Maysa.

Feminino vai sair em DVD?

Não houve registro, a não ser fotográfico.

Você prometeu em Portugal a gravar “Haja o Que Houver” e o público português está esperando?

Eu vou cantar. Duas músicas ficaram fora desse cd depois que entrou o Zeca Pagodinho. É uma música que, sem duvida, um dia vou gravar. Já tentei gravar essa música duas vezes, no Seda Pura e nesse. “Yolanda” eu gravei sete vezes. Parece conta de mentiroso.

Mas “Haja o Que Houver” ainda nenhuma?

Mas vou gravar. Eu ainda não morri! (risos)

O público português ouviu uma notícia que você havia morrido?

Isso é história de alguém sem vergonha, safado. Entendeu? Estou aqui vivinha de branco, mas não sou alma, não (risos).

SimoneAo contrário do cd anterior de músicas inéditas.Feminino é uma releitura. Você acha que isso é uma forma do público assimilar melhor e a própria mídia abrir um canal maior para esse novo trabalho? 

Não pensei nisso. Pensei em fazer um trabalho que nos tínhamos acordado cantando algumas músicas que tinha vontade. Na verdade existe espaço na música para todo mundo. Nos anos  90 a música brasileira tocou mais. Nos anos 80 tinha uma porcentagem maior de música americana do que hoje em dia. Tomara que não volte! Muita coisa mudou, o mundo está mudando e as coisas mudam.

Alguma música do cd anterior dificilmente entraria na mídia, porque são escolhidas determinadas músicas para divulgação. Como esse cd a maioria das músicas são conhecidas, já tem três músicas sendo tocada nas rádios. Como você atribui isso?

Sempre fui a favor quando é lançado um cd mandar para as rádios. E as rádios escolherem as músicas, porque nem sempre o que as gravadoras ou o artista acham que deve ser tocado ou trabalhado é o que a rádio acha e vice-versa. Sou contra mandar o cd com uma música. Nesse foram duas. Já que vai dar o cd, dá inteiro. Não vai dar. Dê. Não é! Cada pessoa escolhe. O meu critério sempre foi esse.

Com a chegada do fim de ano, as gravadoras lançam uma série de cds reunindo músicas de trabalhos anteriores, ou seja, as famosas coletâneas e compilações de determinados artistas. Em relação as suas antigas gravadoras você é campeã. Isso atrapalha a vendagem do cd anual, já que foram lançados simultaneamente dois trabalhos paralelos?

Isso atrapalha bastante. Atrapalha a vendagem do novo cd Feminino. Confunde o público, e além do mais estão usando a minha imagem de cabelo curto. Coisa que na época em que era contratada das gravadoras, não tinha essa imagem. Atrapalha muito.

Inclusive falam que a edição desses cds são edições limitadas?

O que mais me impressiona, é porque quando estava lá, não faziam esse trabalho anualmente. Entendeu!..

1979pedacosHá algum tempo foi lançada uma série chamada “Portfólio”, uma caixa com três cds incluindo Quatro ParedesCigarra e Pedaços. Agora lançaram uma nova série intitulada “Brasil de A a Z” substituindo somente Quatro Paredes pelo Face a Face, um dos únicos trabalhos que não havia sido lançado em cd, além de uma coletânea. Como você vê a compilação ? 

Nas compilações são colocadas três músicas ou uma que não havia na outra. Em geral é assim e as pessoas compram pela capa. Muitas vezes acham que não tem o cd, e quando vão ver tem doze músicas da compilação anterior com uma diferente.

Você falou em usar a imagem de cabelo curto. Qual o problema maior disso?

Não pode. Não deveria poder usar realmente. Na época da Emi/Odeon meu cabelo vinha crescendo, na CBS/Sony cresceu e na Polygram/Universal diminuiu. O que eu soube. Não sei. Só estou falando o que disseram. Apareceu na televisão uma chamada de cabelo curto cantando músicas da época. Eles confundem. Estive num lugar, e uma pessoa chegou dizendo que meu novo cd havia saído e estava comprando. Eu disse que não saiu. É complicado…

Com exceção do Festa Brasil, que só tinha o nome na capa. Esse é o único que o seu rosto está sendo trocado pelo pé. Porque a mudança? 

Há muito tempo venho insistindo em fazer uma capa de cd que não fosse o rosto. Sempre cedo. Na capa anterior a foto preferida era outra. Apesar de determinar as coisas, ouço muito as pessoas. Não sou dona da verdade. Sempre brincava era a Fátima Bernardes que estava na capa, porque já era bem diferente aquele cabelo bem curtinho. Nesse não tem argumento que me convença. . Antes a primeira capa sugerida era foto da segunda capa do encarte. Adorei o trabalho da Val Ayres. Achei bonito e de uma delicadeza a maneira que colocou as fotos, mas me convenceu que o melhor era colocar menos fotos para deixar um espaço maior para as letras. Uma coisa que reclamo muito quando vejo um cd. Não consigo ler as letras. Fiquei muito satisfeita com o trabalho em geral.

Quais os compositores que não havia gravado?

Adriana Calcanhoto, Araketu. Não sei se havia gravado Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro. O Lulu cantei às vezes em show, mas não gravei. Fui à primeira pessoa que cantou o Lulu com a música “Advinha o Quê”. Havia gravado o Aldir Blanc com João Bosco e o Cristóvão Bastos com o Abel Silva.

Tem algum projeto para comemorar os seus trinta anos de carreira?

SimoneGostaria muito. Cai numa quinta feira o dia 20 de março. Vou fazer alguma coisa. Não sei o que! Se vai ser na minha casa, no teatro, aqui em São Paulo ou Rio de Janeiro. Mas alguma coisa vou fazer com certeza.

Antes de você entrar borrifaram um cheiro. Faz parte de algum ritual?

Isso daí, eu que faço. São umas essências. Uso em todo lugar que vou, meu carro, minha casa. Não é porque vocês estão aqui. Não é nada disso. Quando faço show coloco no palco para ficar um cheirinho agradável.

Tem um sentido místico ou só porque é um cheirinho agradável?

Tem os dois. Mas o sentido não é de nenhuma energia pesada. Não tem nada disso. Faço essa parte alquimista. Eu gosto, porque estudo alguma coisa com a “Fraternidade Branca”. Então tem os mestres, as essências e os incensos. Cada mestre tem as suas essências primárias e secundárias. Daí escolho, e mudo todo mês a energia na minha gregora. Tenho esse lado místico. É complicado explicar. Faço as essências com as energias usando os exercícios primários de cada mestre. Às vezes misturo com os exercícios secundários. Tomo banho e jogo mirra. Há vinte anos faço isso. Só deve ser usado álcool de cereais. Se quiser que permaneça coloco um pouco mais de fixador. Às vezes chego num lugar que está com cheiro de mofo, de cigarro e sou uma pessoa muito alérgica. Na verdade é que gosto muito. Acho um cheiro agradabilíssimo.

A estrelinha da Simone permanece. Ela também faz parte desse lado místico?

Face a FaceGanhei essa estrelinha no final dos anos 70. Quem me deu foi o Noguchi. Ele havia feito uma capa de disco para mim linda do Face a Face. Quando fui fazer o disco Pedaços, lembro que estava na sala da minha casa, e pediu para que sentasse no chão e tirasse a roupa. “Você é maluco, não há a menor possibilidade”. Ele argumentou que não se veria nada. “Se não vai ver nada, porque eu vou tirar a roupa”. E acabou me convencendo. Fiz a capa, depois me deu a estrelinha de presente. E ficou! Eu adorei, mas ficou uma confusão, Como que é a estrela? Se pode a da comunidade judaica, porque adoro aquela estrela. Acho linda a estrela de Davi. Faz uma estrela para mim, e cada designer faz aquela que bem entende. Eu quero que faça. Não quero que tire a estrela que ganhei do meu “i”. Gosto, acho interessante. Ficou bonita e combinou!

Como é fazer uma gravação definitiva?

Acho que tive muita sorte, sempre fui cercada de grandes músicos e compositores. O momento foi certo. Tem coisas que a fadinha faz “plim”! Há músicas que não teria coragem de regravar; uma delas é “Beatriz”, porque a interpretação do Bituca (Milton Nascimento) é definitiva para mim. Não tenho nada com quem tenha regravado, mas aquela interpretação é espetacular. A outra é “Atrás da Porta”, inclusive tive o convite para fazer a gravação, e não aceitei. Não sou louca de aceitar, mas fiquei muito honrada do Francis Hime ter me convidado, mas não vou fazer. Essas duas não tenho coragem. Já tentei gravar outras coisas, inclusive essa gravação do “Resposta ao Tempo” que faz parte do repertório da Nana Caymmi. Eu achei de uma ousadia enorme gravar essa música, mas acho legal que outras pessoas dêem as suas visões, interpretações, as suas leituras, suas vestimentas. Outras pessoas já gravaram “Começar de Novo”, “O Que Será” , eu acho ótimo.

A gravação original do tema Malú Mulher “Começar de Novo” foi apresentada para três artistas: Simone, Elis Regina e Maria Bethânia e a escolha recaiu sobre a jovem em início de carreira, Simone. Elis parece que ficou arrepiada com a história, e até cortou relações com o Ivan Lins. No entanto depois ela admirava essa sua gravação. Existem coincidências na vida para quem tem um olhar para esse misticismo?

Existem…Eu não sabia disso. Estou sabendo agora. Não sabia que o “Começar de Novo” tinha sido apresentado para as duas, que fariam magnificamente bem. Recebi a música na Odeon, e fui ouvindo da gravadora até minha casa, na época no Leblon. Eu fiquei deslumbrada, em seguida liguei dizendo que queria gravar essa música A mesma coisa aconteceu com “O Que Será” que foi quando conheci o Chico. Fui para o estúdio encontrar o Francis que estava fazendo as bases. Aprendi a música no local, fiquei ouvindo, porque não era muito difícil, não havia muitas nuanças e comecei a passar. Lembro sempre essa história, quando comecei a cantar veio aquela campainha e uma luz vermelha com aquela voz “Simone não é alcóvas, é alcovas” era o Chico. Esse foi meu “olá como vai, tudo bem”. Uma lição em português logo de cara.

Quando você ouviu na tela a sua voz com o tema Dona Flor e Seus Dois Maridos, qual foi a sua reação como artista?

Literalmente foi o seguinte: Eu estava aqui em São Paulo no cinema (Center 3) junto com os meus pais. Eu briguei muito para o meu nome sair, para dizer quem estava cantando, porque ninguém sabia, já que era uma pessoa desconhecida. Como dizia um grande amigo meu, o Miltinho, eu era internacionalmente desconhecida. Lembro que briguei com a Luci Barreto, porque meu nome tinha que estar ali, alguém tem que saber quem está cantando, foi uma zona para colocar meu nome. Felizmente consegui que fosse colocado nos créditos.

Sabe aquele bolo todo quando saí do cinema, eu queria levantar e dizer assim: sou eu! Quem está cantando aí sou eu… Eu que estou cantando. É uma maravilha. A música emociona, é emoção. Toma uma forma de repente, ela fica concreta, apesar de não ser uma coisa que você pegue. É como o amor você sente, e não vê o amor, é que nem a música, felicidade… A música é essa coisa que mexe com você. É uma loucura. São essas coisas que mexem com a gente, a emoção em geral como jogo de futebol, balé, mas a música é arte que reúne todas as artes.

“Começar de Novo” também é considerada uma gravação definitiva, é a composição do Ivan Lins mais gravada no exterior.Como foi a emoção de ouvir pela primeira vez, quando ainda estava em estúdio?

“Começar de Novo” tem uma história legal. O Quincy Jones é tão cara de pau, que fez o mesmo arranjo pelo fato de ser tão bonito. Tem arranjo que faz parte da música, e “Começar de Novo” é uma música que o arranjo é junto com ela. É esquisito ouvir sem aquele arranjo do Gilson Peranzzetta. É lindo!

E quando a gente estava gravando, o Gilson não conseguia passar da primeira para a segunda vez, não conseguia repetir a música. Eu sabia o que queria mais não conseguia explicar. Eu visualizava, não só ouvia, eu via o queria, a coisa está aqui quando termina a primeira parte ela não modulava, até que consegui falar pra ele. Podia parecer uma bobagem, mas agora está na cabeça da gente. O arranjo dele foi primoroso. Uma maravilha!

Você pensou em cantar músicas por compositores de fora?

Só se for em português, porque com esse sotaque que tenho é ruim. É muito complicado. Cantar em espanhol é uma África, é uma loucura. Se fechar os olhos sai tudo errado.

Mas a Espanha fica perto da África?

Pois é. Tem uma parte que sim e outra que não, mas quando vou lá para Sevilha fica mais pertinho (risos). Mas é verdade, eu tenho uma dificuldade. Acho que isso vem da infância. Eu sempre quis aprender idiomas, mas não tinha como. Quando tinha tempo faltava dinheiro, e quando tive dinheiro para fazer cursos, não tive tempo. Eu adoraria.

Eu ouço muito Shirley Horn. Eu adoro, acho uma grande intérprete, lembro muito da Sueli Costa, a mesma maneira. Eu e Diana Krall iríamos cantar junto no projeto “Começar de Novo”, agora não sei se vai querer participar. Acho que poderia cantar blues por exemplo, porque tem pouca letra, mas eu tenho dificuldade.

Como era o seu dia a dia na infância e adolescência. Ouvia rádio e música? 

Eu ouvia desde história do Chapeuzinho Vermelho daqueles disquinhos coloridos que havia antigamente, que era um espetáculo. A gente entrega a idade aqui, que é uma loucura (risos), mas eu ouvia muito Nora Ney, Ângela Maria, Maysa, Cauby Peixoto e ópera. Meu pai era louco por ópera. Ele cantava, meus irmãos, é uma coisa engraçada, porque aprenderem violino, acordeão, violão, minha mãe e minha irmã tocavam piano, e eu não aprendi nada, só ficava olhando. Sou canhota, e quando minha mãe terminava de ter aula, eu pegava o violão e tocava ao contrário. Meus pais eram muito musicais, adoravam músicas. Meu pai era tão fanático por ópera, que na época do carnaval por várias vezes, nós mulheres estávamos todas fantasiadas de colombina e aquelas coisinhas, porque os homens podiam fazer o que bem quisesse, mas ele trancava a gente na sala para ouvir ópera, na Bahia. Eu fiquei com muita dificuldade até hoje para ouvir uma ópera. Eu compro, sempre quando viajo trago discos da Callas, fui duas vezes convidada a participar de shows com o Carreras e Plácido, já cantei com os dois. Eu fico morrendo de medo deles perguntarem alguma coisa, mas eu falo também, meu pai me trancava e… foram duas experiências fantásticas. Agora voltando ao Castro Neves, a rua que morava no bairro de Brotas em Salvador, a minha infância foi toda peneirada de música. Todinha…

Você também escutava rádio?

A gente escutava, e tinha também um parque de diversões. Ah! Tinha um cantor Francisco José que teve muito sucesso naquela época, meu pai ouvia muito, a Amália…

Porque não gravou Amália? Amália Rodrigues

Porque o sotaque. Eu fico um pouco temerosa em mexer nesses monstros sagrados. São pessoas que tenho uma admiração tão grande. Vocês não sabem como estou fazendo minha cabeça para cantar Maysa. É uma loucura. Tem que fazer um Tablado.

Mas tinha um parque de diversões perto da minha casa, e todos os domingos nos íamos, eu e minhas irmãs, e não tinha dinheiro assim, ou ia para dois brinquedos, ou um brinquedo e um copo de Nescau. Eu fiquei com Nescau na cabeça durante muito tempo. Havia um palco que você podia chegar lá e cantar, ou fazer qualquer negócio como botar um bambolê na cintura, dançar para ganhar ingresso. Eu adorava o autopista, e queria dirigir aqueles carrinhos, como só podia ir uma vez, comecei a me aventurar ali. Foi ali que comecei a subir no palco morrendo de vergonha. Que loucura! A primeira música que cantei foi em espanhol (risos), Joselito era um absurdo, eu cantar aquilo ali.

Você assistia os filmes com o Joselito e a Marisol?

Assisti aquilo tudo. A primeira vez que cantei foi isso aqui, era esse o espanhol “Uma vez, um rouxinol” (rindo muito), “Donde estarás mi vida, porque não vienes” era uma coisa assim. Acho que foi a primeira música, se não estou enganada.

O cinema espanhol na época fazia muito sucesso por aqui e também tinha fase da Sarita Montiel. Você assistia?

Tinha um filme que alguém era cego e a mãe toda sofrida com o Joselito. Era o maior horror. Eu via esses filmes e muito cinema nacional. Falsificava minha carteirinha de estudante, e assistia tudo, Norma Benguell, Jece Valadão. Ficava pasma, mas era maravilhoso. Foi uma época maravilhosa. Eu tive uma infância deslumbrante. Era bola de meia, bola de gude.

A memória afetiva é a nossa melhor matéria prima?

Ah! Sem dúvida. As coisas ruins você esquece. Pelo menos tento esquecer. O que você tem de real na sua vida é o momento, as coisas que você lembra. Essa é a coisa real. O que vai ser você não sabe. É o hoje e o que está aqui guardado. É isso daí.

Os versos de “Resposta ao Tempo” dão maior significado a esse sentimento?

Sim. Eu acho a letra um espetáculo. O tempo é esse grande escultor. E nada como o tempo para nos mostrar. Tem os prós e os contras. Os contras todo mundo sabe e os prós também a gente aprende mais um pouco, ou também desaprende. Eu espero sempre estar caminhando, aprendendo, cada vez subindo um pouquinho o degrau. As respostas que a gente dá ao tempo e o tempo dá pra gente, não tenho absoluta certeza, mas bastante certeza que a gente faz isso. Nós proporcionamos isso e fazemos o próprio caminho.

Nos decidimos o destino?

A gente vem com um destino. Eu acredito com alguma coisa traçada. E que bom que continue naquela linha que foi traçada, e que faça mais. A vida dá oportunidade pra gente. Tem duas correntes a ruim e a boa. Procurar o equilíbrio é melhor. Se você der o braço para o bem, sempre está fazendo o bem. Se você der o braço para o mal, faz e recebe o mal.

Nesse ambiente que estamos, sentimos um belíssimo aroma. Que essência é essa que está nos circundando?

Ë uma mistura que faço de nove essências: sândalo, lírio, violeta, rosa, alecrim, alfazema, canela, lótus misturo junto com álcool de cereais, e borrifo minha casa e todos os lugares que vou. Acredito em Deus e peço a ele, todo dia, que a gente tenha paz e saúde, acredito no filho dele e nos filhos dele que somos nós. Acredito nos mestres espirituais, nas pessoas que são mais espiritualizadas do que nós, e vieram com uma missão. E dentro dessa filosofia a essência faz parte disso.

SimoneDeus está nos detalhes?

Deus está dentro da gente. Deus está no todo.

E a música nesse momento faz parte de todo esse sentimento que você nos expressou?

Eu vejo que o cinema é a sétima arte e a música engloba todas as artes para mim. Sinto uma pessoa privilegiada por poder fazer isso. Eu canto, porque ele permite que faça isso, e que através do meu canto, quer que passe coisas boas para as pessoas, boas vibrações e boas energias. É sério. Entendeu!

Todas as vezes que subo e entro em cena sempre peço o que ele me manda e recebo, eu possa passar para as pessoas que estão me ouvindo e vendo, e levem para suas casas essa energia pura, limpa e maravilhosa. Então acho que a música é um presente divino. É divino. Música é um presente dele.

Em questões políticas você sempre deu as caras, mas desta vez ficou um pouco distante não aderindo a nenhuma candidatura.Por que?

Estou muito triste com todas essas coisas que aconteceram, mas sempre vou lutar pela liberdade. Isso daí é uma coisa que as pessoas tem o direito de ir e vir. Tem o direito de se pronunciar a favor de quem, o que querem. Mas eu cansei. Eu torço muito pelo Brasil. Acho que não existe país mais maravilhoso do que esse que a gente vive. É um país que tem tudo na vida, o solo, mas tem uma gentalha, também que é uma coisa doída. Tem um pedaço que tinha que ir para um lugar, e não aparecer nunca mais. O grande problema do Brasil é a impunidade. Isso daí é triste. Porque os poderosos fazem o que querem, e estão aí soltos. É um país que não pode ter fome. Não tem razão para as pessoas não terem o que comer. Não existe isso.

Você era mais ativa politicamente?

Não é questão de ser mais ativa. Eu participei muito, levei paulada, pedrada, porretada e caixa de engraxate. Eu fiz tudo enquanto acreditei. Tudo o que fiz na minha vida não foi por convicção. E tudo que faço é porque acredito, ou se não estou afim me dou o direito. Desde 1989 que a lição valeu para a vida inteira.

Você ficou devendo um show na cidade de Guimarães em Portugal?

Não fui eu.

Você não atuou? 

Não fui eu quem não quis fazer. “Mas porque falaram isso”? É mentira isso daí. Eu estava lá. Quem cancelou foi o seu Miguel Ângelo alegando que o lugar onde iria acontecer o show estava sem condições de montar o palco. Quem não quis foi ele. De maneira nenhuma fui eu, porque continuei em Portugal.

Posso esclarecer isso?

Por favor. Eu adoraria e agradeço.

Depois surgiu o boato?

Como surgiu o boato que eu estava morta.

O que constou é que você tinha passado mal no show de Porto, e que em virtude disso tinha saído carregada para o aeroporto?

Inclusive, eu falei na televisão que o empresário havia cancelado o show. É mentira! Por favor desminta isso.

Você já teve problema em Portugal na Expo 98, o empresário também te passou a perna?

Acontece também, que os portugueses dizem que vou, sem me consultar. Estava sendo anunciada, sem saber. Só quem não sabia era eu.

A entrevista fica por ai, ela autografa os CDS e recebe sua irmã que acabará de chegar.