“Então Me Diz…”
Numa sala de um requintadíssimo hotel de São Paulo, alguns jornalistas foram convidados para uma audição especial do novo CD/DVD de Simone. No final da apresentação a cantora, muito simpática e descontraída, concedeu uma entrevista relacionada ao novo trabalho, seu dia a dia, próximos projetos e a estréia do show em Portugal.
Para 2006 estão previstas apresentações no Chile; Cuba; Viña Del Mar; um retorno a Portugal durante as comemorações dos 500 anos de Funchal (Ilha da Madeira); uma participação ao lado do cantor italiano Renato Zero; além de uma temporada em São Paulo, Rio de Janeiro, Nordeste, Curitiba, principais capitais e cidades do interior.
…Ao longo dos seus trinta e três anos de carreira é vantagem gravar ao vivo?
Nem vantagem ou desvantagem. O momento foi propício, porque as pessoas que gostariam que participassem estavam à disposição (os três), o teatro estava liberado para dois dias, as músicas selecionadas, mas não havia contrato. Gravar esse CD/DVD ao vivo foi uma decisão em comum entre eu e o Poladian.
Já o “Baiana da Gema” lançado há mais de um ano, é um cd completamente diferente desse atual. Apesar de não ser contratada da gravadora, o anterior e esse foram lançados pelo Maynard Music através da EMI.
Não teve acordo, nem contrato, mas a vontade de fazer esse trabalho. Um registro. O termo exato é esse, um registro de um momento que estava acontecendo.
Quando gravei “Feminino” não houve a oportunidade de registrar aquele momento com o Zeca Pagodinho e eu cantando juntos. Foi bobagem não ter registrado aquilo.
Na minha vida tenho acertado mais. Desta vez deixei de errar, porque eu registrei.
…Qual a característica que difere dos outros trabalhos gravados ao vivo?
Todos os outros foram contratuais. O primeiro gravei ao vivo no Canecão. Naquela época algumas pessoas que trabalhavam na EMI (vinte e sete anos) incluíram um disco a mais. Eu tinha um contrato de três anos.
Para consertar aquele erro gravíssimo aproveitaram que eu estava fazendo um show no Canecão. Não era comum gravação ao vivo, mas ele foi gravado somente no dia trinta de dezembro. E pronto!
O segundo foi “Brasil” [onde] havia cantado a obra de Martinho da Vila. A gravadora pediu para que retratasse o universo do samba. Como, também, estava fazendo o show, o produtor sugeriu a gravação. Em seguida estava saindo da gravadora, e não quis renovar o contrato. Na verdade o último trabalho na Universal foi o terceiro ao vivo “Feminino” um acordo extracontratual para trabalhar o anterior. Eu cumpri minha parte, mas eles não fizeram absolutamente nada.
…Nesse trabalho atual houve uma referência em relação às músicas escolhidas pelos fãs na votação do site oficial?
Você sabe que não. Eu vinha fazendo o “Baiana da Gema” e ficaram algumas músicas. Quando você faz um show tem vinte e uma músicas, mas o cd tem quatorze, e a gente não sabe o que faz. Esse ao “vivo” havia três convidados dos quais dois estavam cantando músicas no show, o Bituca e o Ivan. Eu sei que a música mais votada foi “Jura Secreta” e outras.
Para falar a verdade nem lembrei disso, porque o show já estava pronto; era só uma questão de adequar a participação da Zélia. A novidade na minha vida artística.
…Como aconteceu esse encontro com a Zélia?
Esse encontro musical aconteceu no começo do ano, quando ela estava produzindo o cd “Timoneiro” do Hermínio Bello de Carvalho, uma pessoa importantíssima na minha vida que pediu para participar na faixa “Mirra, Ouro e Incenso”.
Ela foi até minha casa levando a música, e marcamos para fazer a gravação. Depois começamos a conversar, trocar idéias para produzir um próximo cd. Em seguida mandou “Idade do Céu” (versão da música “La Edad Del Cielo” do uruguaio Jorge Drexler) guardada para o próximo trabalho, mas ofereceu a música para mim.
Achei de uma generosidade tão grande, um gesto nobre, e como o Moogie já estava produzindo o cd, eu convidei para cantar comigo.
…Houve algum mal estar em relação à outra versão da Zélia?
Não houve nenhum mal estar. Eu estou super feliz com a música, e a versão é linda. Existiu uma coincidência. A gravação foi exatamente em cima da música “The Blower’s Daughter” do irlandês Damien Rice, que eu adoro. E já conhecia antes do filme “Closer”.
Eu tive a sorte, e gosto muito das duas versões que a Zélia fez para mim. Tanto “Então Me Diz” que na verdade era para chamar “Musa Inglória”, mas não entenderam muito bem o nome e a outra foi da música “You’re So Beautiful”, também gosto demais. Essa vai ficar para o próximo trabalho, porque nesse já tem duas versões.
Nem ouvi a outra música inclusive. Nem sei como é. Foi só uma coincidência.
A música foi escolhida para fazer parte da trilha sonora da novela “Belíssima”. Tomara que o André (Marcello Anthony) e a Júlia (Glória Pires) namorem todos os dias, porque assim minha música vai tocar durante toda novela. (risos)
…Como é o relacionamento Simone e gravadora?
Eu não sou política. O que tenho para falar, é na lata. Às vezes isso não é bom. Todas as multinacionais são iguais, ninguém vem a querer perder. Por isso o relacionamento é muito complicado do artista com a gravadora. Ele sempre vai exigir coisas boas, e que o produto dele seja trabalhado.
Dentro dela é preciso ouvir várias pessoas, às vezes você discorda, mas não posso dizer não quero que faça isso. Só se for alguma coisa que, realmente, não concorde em gênero, número e grau. Aí, eu não deixo que aconteça.
Há coisas que acontecem, e nem sempre são culpados, mas nenhum deles são anjos.
Graças a Deus sou de uma época lá detrás. Agora está mais complicado por causa dessa coisa da pirataria. Em geral não há muito investimento em novos talentos.
…Muito artistas estão partindo para o selo próprio. Como você vê essa experiência e como está seu esquema fazendo contrato por cd?
Toma lá, dá cá. Acabou…
Não há mais aquela coisa de contrato, após um ano estou totalmente liberada. Acho que é bom. Essa relação assim é melhor das gravadoras e selos independentes. O que estou fazendo está bom.
Eu pensei muito em ter um selo, assim como outro artista, mas de qualquer maneira é preciso ter uma distribuidora, e 99% vai cair nas mãos de uma multinacional.
Há vinte anos, eu, Paulinho, Djavan, Ivan, Chico e Milton chegamos a ter um projeto de montar uma gravadora que deveria ser realizado através do nosso procurador em comum, Toninho Morais, mas cada um tomou o seu rumo.
O Ivan Lins e o Vitor Martins abriram a Velas. Daí perde um grande letrista, porque acaba virando empresário. É preferível que esteja desse lado, e escreva muito.
É uma briga de elefante contra uma formiguinha.
…Em todos esses anos você gravou e dividiu o palco com quem quis, ou ainda pensa em gravar com algum artista especial?
Eu gravei e dividi o palco com muita gente. Eu adoro essa divisão. Recentemente participei do show do Ara Ketu, que é uma delícia. E já guardei o meu lugar no carnaval, lá na Bahia.
A primeira experiência que tive em dividir o palco foi com o Milton e o Chico, num show que o Bituca (Milton) fazia no Ginásio do Ibirapuera. O Chico era convidado cantando “O Que Será”. Não entendia nada, porque os dois eram meus ídolos. Eu ali em cima do palco junto com eles. Uma loucura…
Lembro que havia um copo em cima do piano. Eu achava que fosse guaraná, mas era uísque, eu virei num gole só, e quase morri. Até trinta e oito anos nunca bebi nada, hoje tomo vinho.
Depois veio o Tom, Roberto, Plácido Domingos, José Carrera, Quincy Jones, Julio Iglesias e muitos outros.
Eu já cantei com quem queria. Mas adoraria repetir a dose com muitos deles ou experimentar novas parcerias.
…Você cantaria com o pessoal da nova geração?
A Zélia é uma. Adoro o trabalho da Marina, também cantei com a Rita Lee fora do Brasil, o Frejat, Paralamas, Barão, Skank.
…Você disse que está mais roqueira?
Eu não estou mais roqueira. Quem sabe na próxima geração. Sempre cantei Cazuza, Renato Russo. Eu sou uma pessoa muito eclética.
…Ainda há o projeto de fazer um cd com as músicas de Maysa?
Está sim. Eu conversei com o Jayme (filho da Maysa), mas tem muita coisa. O projeto de fazer um cd só com músicas do Renato Russo e reler a obra da Marina. Não é bem assim. Daqui um ano, ainda, tem tanta coisa para acontecer nesse país. Nem sei se vai ter gravadora (risos).
…Como foi a estréia do seu novo show em Portugal e a receptividade do público português?
Um espetáculo. Eles são maravilhosos. Ô gente pra gostar de brasileiros. São gentis e o público lindo.
…Praticamente os shows foram em seguida da gravação do DVD?
Fui em seguida. É verdade, dois dias depois estava cantando o DVD lá.
Eu adoro Portugal, os portugueses e os vinhos. A comida tem muito alho, mas eu gosto muito de lá.
…Ainda faltam novos compositores na música brasileira?
A minha geração de compositores é uma que vai demorar aparecer. As pessoas não são iguais. Claro que não terão outros Chico, Noel, Djavan, Cazuza, Renato. As gerações, os ídolos e as leituras são diferentes. Se você perguntar para uma menina ou garoto de quinze a dezoito anos a maneira que vê Renato Russo, é a mesma que vejo o Bituca, Caetano, Ivan e o Tom. É uma geração de peso, compositores fantásticos, letristas e poetas maravilhosos.
Uma época em que a ditadura favoreceu muito as criações deles, porque escreviam entrelinhas fazendo verdadeiras obras primas. Acho que tem muita gente boa, mas na minha cabeça, eles sempre serão a minha referência.
…Pretende fazer um novo trabalho só com músicas de sua preferência?
Ultimamente não, porque o anterior,“Baiana da Gema”, só foi com músicas do Ivan, o penúltimo na Universal, “Seda Pura”, fiz de inéditas com o Skank, Frejat, Carlinhos Brown, Zé de Riba; foi um cd bem eclético. Não gosto de falar pop, porque parece que a música fica dividida em seções.
Esse novo trabalho veio de várias coisas que eu cantava. Não é um cd com os grandes sucessos. Não é nada disso.
Não sei se o próximo de repente, eu parto para uma releitura de alguma dessas pessoas que falei ou faço um cd de inéditas. Na verdade tem que correr atrás, e ao mesmo tempo você não precisa de música nova. A música brasileira é tão ampla, e o cancioneiro é tão maravilhoso que a gente pode regravar discos e discos com músicas que vão parecer novas, porque não são conhecidas. Eu acho que é isso.
…Há vinte e nove anos você canta “Jura Secreta”, e pelo que vimos no DVD sua emoção continua. Como é sentir essa emoção?
Essa música é linda. Ela mexe comigo de uma maneira quando falo:
Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega é o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri
Isso é uma punhalada! Eu espero um dia poder cantar sem sentir tanta dor, porque lá no fundo tem uma coisa que ainda não aconteceu, não aflorou e não passou direito. São várias leituras dessa música, naquele dia foi de uma maneira diferente.
Particularmente não sou uma pessoa que fica ouvindo os discos que gravo. Como é uma novidade agora, ele está novinho, ainda nem tenho o DVD para ver. Só tenho uma cópia do DVD mal terminada, mas é um momento bonito e emocionante como “O Que Será” e “Começar de Novo”. É a minha vida que estou expondo.
São trinta e três anos de trabalho, e continuo sentindo as mesmas emoções de antes. Tenho o mesmo respeito, mais medo e insegurança de entrar no palco para cantar. Eu fico uma pilha pra entrar em cena. Sei lá é uma coisa que Deus me deu, que acontece. Só tenho a agradecer. Tenho dito como é uma coisa nova “A vida é boa pra mim. Tem sido muito boa. E vai continuar viu!”…
…Há algum momento especial nesse novo cd?
Todo momento foi especial, mas é só dar uma olhada no DVD para ver a minha felicidade de cantar a música “Encontros e Despedidas” ao lado do Bituca.
…Tem algum país que você gostaria de voltar a cantar?
Cuba. Inclusive há uma proposta para realização de um show ao lado de Pablo Milanês, Yuba, Luiz Represas e outros, mas não sei se vai dar certo devido à falta de vôos e condições de viajar, por causa da situação do país.
…Embora tenha tido uma boa repercussão, se o “Baiana da Gema” fosse lançado na década de oitenta teria sido um mega sucesso. Como você vê isso?
O disco esta aí, mas tem pessoas que não gostam de mim, e nem querem ouvir o meu trabalho. O que é que posso fazer? Vou enfiar na cabeça. Não posso fazer nada, sinto muito. O “Baiana da Gema” é um trabalho maravilhoso.
Eu lembro que várias vezes fui indicada para o Grammy. Uma coisa muito gozada, porque você faz um disco com quatorze músicas novas. Não acontece nada. Outra vez acharam que eu era a Nina Simone cantando samba. É lastimável, porque outras pessoas poderiam conhecer o meu trabalho ao lado de compositores tão importantes da maneira que eu interpreto. Como é a leitura de uma pessoa da minha idade, e com a bagagem que tenho em relação a leitura de uma pessoa de vinte ou trinta anos? Acho uma lastima. É uma pena, mas vou fazer o que. Tenho absoluta certeza que o “Baiana da Gema” é muito bonito, tem composições lindas. É a leitura de um só autor com seus parceiros. Está aí para quem quiser ouvir.
…Você falou “a vida tem sido boa pra mim”. Profissionalmente e pessoalmente se sente realizada?
Que nada! Falta muita coisa. Eu tenho muita vontade de ir para Guarajuba, uma praia que tem lá na Bahia, que eu adoro.
Tem hora que dá vontade de ficar quietinha numa praia, e passar um tempinho, mas tem essa comichão aí da música. Esse negócio que não dá vontade nunca de parar. Falta muita coisa ainda.
…Como encara o passar dos anos? Você se sente meio como um vinho, quanto mais velho melhor?
Eu adoro vinho. Eu canto a música do Lulu Santos “Tudo que se vê não é”…(risos). O tempo tem sido generoso comigo, mas eu ajudo o tempo. Ultimamente, não tenho ajudado de jeito nenhum.
Fazer ginástica, andar. Tenho uma alimentação que considero ótima. Não como fritura. Nunca tomei drogas. Minha vida foi sempre o esporte e a música. O tempo me ajudou, mas obviamente se começar a comer doces e bolos (gosto muito), eu engordo. Não gosto de engordar, porque me sinto pesada. Não me sinto bem.
Quando parei de fumar engordei oito quilos. Foi duro, mas depois emagreci. Tenho mantido meu peso durante muitos anos. Agora no final do ano, sempre engordo uns dois quilos. Não sei se de agonia do Natal e o aniversário, mas logo recupero.
É uma época que não dá para fazer ginástica. Estou com problema na lombar, que está me chateando algum tempo, além de uma tendinite e bursite. É a idade…(risos)
…Tem algum tipo de música que não te agrada?
A música techno. O filho de uma amiga minha passa o dia inteiro ouvindo e inventando esse tipo de música. Ela me incomoda um pouco, principalmente por causa daquele som grave. Não gosto de boate, e nem de dançar esse tipo de música. Aliás, só danço uma vez por ano, no dia do meu aniversário, ao som de Gloria Gaynor e outros cantores da década de setenta e oitenta. Sou uma pessoa muito caseira.
…Numa entrevista comentou que ganhava mais do que precisa, e menos do que merecia. Continua sendo assim?
Todo mundo aqui, ou não. A vida você pode carregar numa mochilinha se quiser. Agora me deixa filosofar um pouco. Qual o grande medo da gente (o meu)? De necessitar um dia, de não poder trabalhar e não ter um dinheiro guardado para ter uma velhice digna. Eu sou muro de arrimo. Tenho uma família grande e amigos. Penso muito neles. Eu gosto de ajudar as pessoas. Graças a Deus sou generosa e a vida tem sido boa pra mim. “A posição de dar é muito melhor do que você pedir”.
Tem gente que ganha bilhões por dia. Precisa! Não é possível que alguém precise de tanto assim. Se todos fossem iguais aos Bill Gates da vida sabendo que não vão precisar de dinheiro para ter um final de vida digno, tudo seria mais fácil. A relação é essa. Se eu soubesse que não teria nenhum problema na minha vida com dinheiro. Não tivesse a preocupação de um dia precisar ir para o hospital. Essas coisas todas em relação à velhice. Tudo seria tão bom, a não ser que desse alguma coisa no coração ou uma morte desprogramada para a vida do ser humano. A gente nasce para morrer, e até hoje não entendo isso.
Agora quero mudar um pouquinho. Estou ganhando, mas queria mais um pouco. Na verdade é óbvio que se eu ganhasse mais dinheiro, eu faria um monte de coisas pra mim. Tenho feito muito pouca coisa pra mim, mas não preciso. Não sou Buda nenhum, mas tenho desejos.
Eu queria ter muito dinheiro para ter um avião grande para não entrar em fila e ir para algum lugar. O pequenininho não, dá uma agonia. Não gosto de barco, adoro vinho, gosto de ficar na minha casa assistindo filme, que é baratinho, alugo por R$ 7,00. Está ótimo. Sou uma pessoa sem luxo.
Adorava relógio, mas não posso usar, porque já fui roubada. Aqui em São Paulo, já puseram várias vezes o revólver na minha cabeça. Não quero mais ter essa experiência. Adorava carro, mas agora aquele que você quer tem que ser blindado.
Mudou tudo. Ainda bem que peguei uma época em que pude fazer tudo isso.Foi ótimo. Mas ainda não cheguei a ponto de andar com a mochilinha não. Ainda tem um container, mas seria bom fazer uma viagem só com o cachorrinho.
…Em relação ao tempo e o seu canto?
A voz muda. Eu tenho e peço sempre a Deus saúde, a coisa mais importante que tenho. O resto é resto, e que Ele me faça aceitar. Claro que não tenho a voz de vinte anos. Hoje sei usar bem melhor. Se eu vejo que uma música está forçando muito as minhas cordas vocais, muito simples abaixo meio tom. Inclusive, isso foi uma coisa que explorei muito pouco, e brigava muito por isso. Eu deveria ter explorado bastante os graves, porque tenho um registro de voz, que modéstia a parte, eu adoro. O timbre da minha voz é muito bonito.
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